Acordo histórico de conciliação que busca conter conflitos por terra em Mato Grosso do Sul prevê pagamento de quase R$ 146 milhões pela terra nua e indenizações por benfeitorias aos fazendeiros, como forma de demarcar a Terra Indígena Ñande Ru Marangatu, em Antônio João. Audiência que selou os termos foi encerrada na noite desta quarta-feira (25), em Brasília (DF).
Conforme apurado, a União arcará com o pagamento imediato dos R$ 27 milhões sobre as benfeitorias realizadas nos imóveis e outros R$ 102 milhões em precatórios, títulos pagos via judicial. Já o Governo do Estado deverá aportar R$ 16 milhões, totalizando os R$ 145,8 milhões do acordo.
Em cada propriedade houve avaliação individualizada, feita pela Funai em 2005, que agora serão corrigidas pela inflação e a taxa Selic. O valor será viabilizado por meio de crédito suplementar.
Território a ser demarcado em Antônio João.
Também consta no acordo que as partes se abstenham de provocações ou qualquer ato de violência e que a PM (Polícia Militar) não utilize a força contra a população indígena. Os fazendeiros devem desocupar a área em um prazo de 15 dias após o pagamento da indenização.
A celebração do acordo também prevê a extinção, sem resolução de mérito, de todos os processos em tramitação no Judiciário que discutem os litígios envolvendo o conflito da demarcação da Terra Indígena Ñande Ru Marangatu.
Os termos foram definidos em audiência promovida com representantes dos proprietários, lideranças indígenas, integrantes da Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas), Advocacia-Geral da União, Ministério dos Povos Indígenas e do Governo do Estado.
O ministro Gilmar Mendes, do STF (Supremo Tribunal Federal), havia convocado ambas as partes para audiência a fim de conter o "estado de guerra" nos municípios sul-mato-grossenses. A área em Antônio João foi palco do conflito fundiário que causou a morte do guarani-kaiowá Neri Ramos da Silva, aos 23 anos, durante ação da PM.
Também há conflito em Douradina. "Os tristes e recentes episódios de violência no município de Antônio João se juntam a tantos outros ocorridos nos últimos séculos na questão indígena e impõem resposta conjunta, rápida e definitiva", afirmou o ministro.
A demarcação desse território é simbólica. Em 1983, um dos grandes líderes guarani kaiowá do Estado, Marçal de Souza, foi assassinado na mesma região. Desde então a luta pela retomada do território gera frequentes embates.
A disputa começou na década de 1950. No governo Getúlio Vargas, um dos projetos foi a intensificação do povoamento, que passou a chamar o território indígena de "espaço vazio", conforme relatos antropológicos. Várias aldeias foram declaradas terra da União e distribuídas a colonos.
"Foi então que a comunidade indígena Ñande Ru Marangatu viu, primeiro, pequenos posseiros e, depois, grandes proprietários tentarem apoderar-se de suas terras. Os primeiros, com poucos recursos, foram motivadores de tensões, mas não capazes de expulsá-la; já os segundos, com grande poderio, utilizaram vários artifícios, incluindo a violência, para desalojar os indígenas e até mesmo os pequenos posseiros que chegaram anteriormente", conforme cita o estudo "Ñande Ru Marangatu: a judicialização da luta pela terra indígena e o papel do cientista", de Thiago Leandro Vieira Cavalcante.
Perícias enumeradas no estudo, identificaram que na "área se encontra um importante centro religioso guarani, o cerro marangatu, local repleto de significados religiosos, portanto essencial para as práticas religiosas daquela cultura".
Começou então o litígio que deve terminar com o acordo do STF.
Foto: Antonio Augusto/STF
Foto: Antonio Augusto/STF
Foto: Antonio Augusto/STF
Por Gustavo Bonotto e Gabriela Couto